Clones de plantas: Dr. Albieri no meu quintal?

Entre mitos e polêmicas, os clones fazem parte do nosso cotidiano há mais tempo do que imaginamos.

A década de 90 foi definitivamente marcada pela clonagem. Filmes, séries e até mesmo novelas traziam clones como parte principal da trama, como em Jurassic Park (1993)1 e O Clone (2001)2. Com a publicação do nascimento da ovelha Dolly pela revista Nature, em 19973, o assunto se disseminou e gerou discussões acaloradas sobre o direito do homem em usar laboratórios para criar vida.

No entanto, o homem vem criando clones há milhares de anos, por meio da clonagem de plantas. Há mais de 2 mil anos antes de Cristo, e com citações em textos bíblicos (Romanos 11:17-24)4, o homem já utilizava galhos ou outras partes de plantas para criar organismos geneticamente idênticos ao original, ou seja, clones.

Um exemplo notável é um dos maiores cajueiros do mundo, localizado no Piauí e com quase 9000 km², que foi formado por vários clones de um único indivíduo por um processo natural de reprodução assexuada por alporquia5. Esse processo ocorre quando um galho é enterrado e cria raízes, tornando-se um indivíduo independente.

Esse fenômeno é possível graças a uma característica celular crucial, a totipotência, que permite que uma célula se reproduza e gere outras células com funções diferentes. Gottlieb Haberlandt, pesquisador do século XIX, já havia estabelecido esse conceito ao afirmar que era possível cultivar “embriões artificiais” a partir de outras células6. Desde então, cientistas observaram que, sob condições adequadas, as células de um galho podem, por exemplo, criar raízes responsáveis pela absorção de água, ou raízes podem gerar folhas e ramos, até a formação de um novo indivíduo completo7.

Embora a totipotência seja observada em células humanas durante as primeiras fases da formação de embriões e em células-tronco8, é uma característica que pode ser estimulada em células de vegetais9 em todas as suas fases de desenvolvimento, facilitando o processo de reprodução a partir de células adultas. Em 1958, o pesquisador F.C. Steward registrou o processo de clonagem de tecido vegetal em laboratório usando células de cenoura10. Células adultas foram cultivadas em uma solução contendo hormônios de crescimento, dando origem a novas plantas, um marco na era moderna da clonagem.  

Hoje em dia, essa técnica é conhecida como cultura de tecidos, fazendo uso de pequenos pedaços de tecidos vegetais, chamados de explantes, que são reproduzidos em uma solução rica em hormônios e nutrientes. Essas células possuem a capacidade de gerar massas de células que irão formar diversas novas plantas geneticamente idênticas a partir do mesmo material. A cultura de tecidos é amplamente empregada em diversas finalidades, desde o melhoramento vegetal, visando a criação de plantas com características desejáveis, até a conservação de espécies com risco de extinção7.

Apesar das polêmicas que cercam a clonagem, é importante lembrar que essa técnica se baseia em características naturais e fascinantes da biologia vegetal, como a totipotência, e que gera inúmeros benefícios para a humanidade. A clonagem de plantas evoluiu juntamente com o estabelecimento da agricultura pelo homem. No entanto, assim como qualquer outra ferramenta, a clonagem precisa ser usada de forma responsável e cuidadosa, e para garantir isso existem diversos órgãos reguladores, desde a pesquisa até a aplicação11.

De fato, clones, fazem parte do nosso cotidiano mais do podemos imaginar. E você, já parou para pensar se tem algum clone no seu quintal? Eu certamente tenho.

Referências

1.      Goes, C. & The, T. O. Cloning goes to the movies. História, Ciências, Saúde 13, 181–212 (2006).

2.      GShow. O Clone.pdf. Globo https://gshow.globo.com/novelas/mundo-de-novela/noticia/de-que-ano-e-o-clone-relembre-o-que-foi-noticia-naquele-periodo-e-como-a-novela-foi-recebida-pelo-publico.ghtml (2022).

3.      Willmut, I., Schnieke, A. E., McWhir, J., Kind, A. J. & Campbell, K. H. S. Viable offspring derived from fetal and adult mammalian cells. Nature 385, (1997).

4.      Mckinnell, R. G. & Di, M. A. Biology of Cloning : History and Rationale. Bioscience 50, 2000 (2000).

5.      Amaral, F. P. M., Sá, G. H. De & Filgueiras, L. A. Genetics Analysis of the Biggest Cashew Tree in the World. Genet. Mol. Res. 16, (2017).

6.      Guttenberg, H. v . Kulturversuche mit isolierten pflanzenzellen. Planta 576–588 (1943).

7.      Thorpe, T. A. History of plant tissue culture. 169–180 (2007) doi:10.1007/s12033-007-0031-3.

8.      Mitalipov, S. & Wolf, D. Totipotency , Pluripotency and Nuclear Reprogramming. Adv. Biochem Engin/Biotechnol 1–15 (2009) doi:10.1007/10.

9.      Fehér, A. Callus, Dedifferentiation, Totipotency, Somatic Embryogenesis: What These Terms Mean in the Era of Molecular Plant Biology? Front. Plant Sci. 10, 1–11 (2019).

10.   Steward, A. F. C., Mapes, M. O., Smith, J., Steward, F. C. & Smith, J. Growth and Organized Development of Cultured Cells. I. Growth and Division of Freely Suspended Cells. Am. J. Bot. 45, 693–703 (1958).

11.   Vieira, L. R. et al. Regulatory framework of genome editing in Brazil and worldwide. in CRISPR technology in genomic plant editing (2020).

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